sexta-feira, 24 de abril de 2009

Fundos Rotativos Solidários trazem melhorias para comunidades do Nordeste.

Por *Gleiceani Nogueira da Cáritas Brasileira.

A burocracia e as exigências de documentação pelos bancos são as queixas mais comuns dos agricultores e agricultoras na hora de acessar o crédito oficial. Mas, para muitas famílias e grupos, os fundos rotativos solidários têm sido um caminho para desenvolver projetos associativos e comunitários, visando o fortalecimento da agricultura familiar e a melhoria das condições de vida das comunidades.

A experiencia dos Fundos Rotativos Solidários existe em todo o Brasil e é bastante presente em comunidades rurais do Nordeste. Em um estudo publicado em março de 2006, Selvino Heck, assessor especial da Presidência, estima que existam hoje na região cerca de 180 organizações que trabalham apoiando iniciativas de fundos solidários.

De 2006 a 2008 foram investidos R$ 50 milhões em projetos nessa área, em todos os estados da região, através do Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários, financiado pelos ministérios do Desenvolvimento Social (MDS) e do Trabalho e Emprego (MTE).

Os recursos do Programa são acompanhados por um comitê formado por representantes da sociedade civil ( Articulação no Semiárido Brasileiro, Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), do MDS, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), ligada ao MTE. Atualmente, são 50 projetos apoiados em diferentes áreas como beneficiamento de frutas nativas, criação de animais e construção de tecnologias de captação de água.

Segundo o representante da Articulação no Semiárido (ASA) no comitê gestor dos fundos solidários e membro do Patac, José Waldir Costa, a experiência do fundo rotativo solidário pode se iniciar com a captação de recursos junto a entidades apoiadoras. Nesses casos, o valor investido será devolvido pelas famílias beneficiárias para uma espécie de caixa coletiva e será utilizado em favor de outras famílias ou para outras necessidades da comunidade. É possível ainda organizar um fundo através de arrecadação financeira,feita na própria comunidade, onde cada família entra com uma cota estabelecida de acordo com suas possibilidades.

Waldir Costa também lembra que para uma comunidade iniciar um trabalho com fundo solidário é preciso que ela tenha capacidade de se mobilizar e se organizar. Ele ressalta ainda que muitas ações não dependem de recursos financeiros, ou seja, o fundo pode ser criado a partir da doação de material, sementes ou mão-de-obra da própria comunidade.

“A experiência dos bancos de sementes é um exemplo. As pessoas já têm as sementes e aí fazem a doação [para o banco] e juntam essas sementes no mesmo lugar. Então o recurso local é bem valorizado e alguns grupos têm iniciado trabalhos sem contar com a entrada de recursos externos”, explicou Waldir.

Os fundos rotativos solidários são também espaços de conhecimento, onde as comunidades aprendem a fazer a gestão de recursos e o planejamento das atividades. Outro impacto é em relação à autonomia das comunidades sobre bens dos quais, historicamente, elas eram dependentes, como água e sementes.

De acordo com o coordenador nacional da Cáritas Brasileira, Ademar Bertucci, os Fundos Rotativos devem ser considerados como instrumentos de desenvolvimento local. “A alimentação do fundo é apenas uma estratégia. O fundamental é o resultado organizativo, seja na comunidade, ou nas formas de produção”, explica Bertucci. A Cáritas Brasileira integra o comitê gestor dos Fundos Solidários através do Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
Experiência paraibana

Durante a reunião do comitê gestor nacional no dia 7 de abril, foi realizado, em Campina Grande, na Paraíba, o Seminário Fundos Solidários: gerando riquezas e saberes. O objetivo do encontro foi divulgar e fortalecer as experiências da Rede de Fundos Solidários da Articulação no SemiÁrido Paraibano (ASA Paraíba). Participaram do encontro agricultores e agricultoras, universidades, representantes do governo e de entidades ligadas ao Pólo Sindical da Borborema e ao Coletivo Regional Cariri, Seridó e Curimatau.

Existem cerca de 500 fundos rotativos na Paraíba, distribuídos em 100 municípios. Além disso, dos 50 projetos de fundos solidários desenvolvidos no Nordeste, seis estão sendo executados no estado.

Para Haroldo Mendonça, coordenador geral de Comércio Justo e Crédito, da Senaes, além de conhecer as experiências de fundos rotativos da Paraíba, o debate do Seminário servirá para o comitê montar as estratégias dos próximos anos em relação a promoção dos fundos solidários no Brasil. “Estamos prevendo para o final do primeiro semestre deste ano uma nova etapa de apoio a projetos, no valor de R$ 3 milhões”, afirmou Haroldo Mendonça.

O Seminário também marcou o lançamento da campanha nacional Partilha Solidária, que se refere aos fundos rotativos solidários, desenvolvida pela entidade de cooperação Heifer. Também foi lançado um kit de material pedagógico - formado por um vídeo, uma cartilha e dois cordéis - que foi construído a partir das experiências da ASA Paraíba.

*Comunicadora da Asa Brasil. Edição: Mayrá Lima

segunda-feira, 13 de abril de 2009

FIB , "Qualquer semelhança com PROUT é mera coincidência"

AS NOVE DIMENSÕES DO FIB
Por:Marcos Arruda

“O índice FIB é uma abordagem holística às necessidades humanas, porque sem atender às necessidades tanto materiais como espirituais das pessoas e da sociedade, não é possível tornar realidade uma ‘sociedade boa e decente’.” (Thinley, 2007: xv)

“Desenvolvimento devia ser entendido como um processo que busca maximizar a Felicidade, em vez do crescimento econômico... reconhece que o indivíduo tem necessidades, materiais, espirituais e emocionais.” (Bhutan, 2020).

O índice do Butão leva em conta indicadores que cobrem nove campos da vida familiar e social da população. Cabe a nós, brasileiras e brasileiros, pesquisar a melhor maneira de definir Felicidade na nossa cultura, e desenhar os melhores indicadores para medi-la. O FIB é uma ferramenta de medida adequada para este objetivo: leva à redefinição do objetivo do desenvolvimento, à afirmação de um outro modo de planejar e organizar a economia, e à reorientação da economia e da tecnologia para que sirvam aos objetivos superiores do desenvolvimento social e humano.

1. Padrão de vida
Padrão de vida tem a ver com todas as necessidades materiais e a economia real. Padrão de vida digno é aquele que permite a todos e cada um ter suas necessidades básicas satisfeitas. O índice FIB identifica a proporção de padrão de vida digno que a sociedade logrou alcançar para toda a população, e as carências a preencher através de políticas públicas e de atividade produtiva e distributiva por parte da mesma sociedade. Concluido o índice FIB, abre-se outra etapa em que tais carências passam a fazer parte do plano de desenvolvimento socioeconômico.
Ficam evidentes, assim, duas coisas: uma, que o índice FIB é só um instrumento e um meio para o objetivo maior que é o desenvolvimento; a outra, que o desenvolvimento não pode ser só econômico, mas tem que ser, ao mesmo tempo, social e humano, e tem que ser realizado respeitando os limites da Natureza e da solidariedade entre as gerações. Por isso falamos em economia do suficiente, em relação à produção material, e economia da abundância em relação à partilha dos bens não materiais – conhecimento, sociabilidade, comunicação, arte como beleza, ética, afeto, amor.
As metas quantitativas que o índice FIB permite definir orientam efetivamente a economia para a satisfação dos direitos de todas e todos enquanto pessoas e cidadãs: direito à vida, ao trabalho, à alimentação saudável, à saúde, à educação, à habitação, a um ambiente limpo e são, à segurança... Todos estes direitos, quando satisfeitos, constituem diversas formas de riqueza, que evidentemente não são só materiais.
O mundo do capital é feito de divisões e separações: desigualdades entre classes sociais, ganância e voracidade pelo lucro e pelo dinheiro, trabalho explorado e alienado, falta de acesso da maioria aos bens e recursos produtivos, excesso de consumo e de lixo, envelhecimento planejado dos bens de consumo, e quantas outras enfermidades sociais. Em suma, no sistema comandado pelo capital e pela busca desenfreada de lucro, a maioria não tem um padrão de vida que satisfaça seus direitos e garanta uma existência digna para si e suas famílias. Isto ocorre porque o econômico está divorciado do social.
A proposta do FIB é reorientar a atividade econômica – economia entendida como gestão da casa (eco+nomia) – para a satisfação das necessidades de toda e cada comunidade e pessoa que compõe a sociedade. Para isso, é preciso mudar conceitos e leis, de modo a garantir um novo modo de relação social de produção, distribuição e consumo, a saber:
* substituir a forma excludente de propriedade dos bens produtivos por formas compartilhadas, fundadas no trabalho e no uso como valores primordiais;
* superar o sistema assalariado, que permite a apropriação do trabalho social por poucos donos do capital;
* criar formas eficazes de distribuição equitativas da riqueza social, seguindo o princípio da proporcionalidade (a cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo suas capacidades);
* estabelecer que o trabalho, a terra e o dinheiro já não são mercadorias, mas serão empregados como fontes geradores de riqueza social e valorizados pelo seu valor de uso;
* criar formas inovadoras de remuneração cidadã, assim como os meios legais de garantir a distribuição equitativa dos ganhos da produtividade do trabalho, para que as pessoas liberem tempo para desenvolver as suas dimensões especificamente humanas, sociais, culturais e espirituais;
* enfim, introduzir a cooperação como modo principal de relação entre os atores econômicos, em vez da competição que lança todos contra todos e está entre os principais obstáculos para a paz.
O FIB dá os elementos para a definição de um plano de metas para as diversas atividades econômicas, orientando-as à realização do que são fatores socioecônomicos de um padrão de vida digno para toda a população, portanto, componentes de um índice de Felicidade sempre maior.

2. Boa governança
A boa governança se define pela sábia gestão do poder econômico e político de modo a garantir que a sociedade crie e preserve as condições materiais, sociais, culturais e ecológicas de viver em harmonia, alegria, paz e Felicidade.
Governança tem a ver com gestão de pessoas, de instituições, de territórios e de recursos. A boa governança se chama democracia, no sentido pleno da palavra: ela combina de forma harmônica e criativa o sistema representativo com o participativo, a autoridade dos governos com a autonomia e a autogestão da sociedade, a democracia representativa e a democracia direta. A autoridade e a liderança são essenciais, mas o modo de exercê-las é que determina se visam dominar ou libertar. Na perspectiva libertadora, toda autoridade e liderança busca promover e facilitar o empoderamento dos sujeitos sociais para que se tornem protagonistas do seu próprio desenvolvimento. A partilha do poder de decisões e de gestão da economia e do desenvolvimento é, pois, indispensável. Também o é a redefinição do papel do Estado e da relação Estado, economia social, e economia privada.
A governança do Estado nas repúblicas é partilhada por três poderes teoricamente autônomos, independentes e complementares: Executivo, Legislativo e Judiciário. Isto vale desde a comarca ou comuna, passando pelo município e o estado, até o país. No plano internacional, a necessidade de boa governança levou à criação da Liga das Nações, depois da ONU e das organizações financeiras multilaterais. Todas elas estão defasadas e os atores preponderantes da governança global são as grandes corporações transnacionais.
Um exemplo gritante de má governança é a maneira como é gerido o Orçamento Público da União no Brasil. Para 2009, R$ 233,2 bilhões serão gastos no pagamento da divida pública financeira. Somada a rolagem da divida (troca de títulos velhos por títulos novos), chega-se ao mon­tante de R$ 758,8 bilhões. Portanto, quase a metade do orçamento fiscal e da seguridade social de 2009 (48%) está comprometida com os credores financeiros do governo. Enquanto isso, os serviços públicos de base continuam deteriorados e ineficientes, em prejuízo da maioria empobrecida do País. O FIB investiga o papel do dinheiro na vida das pessoas, e como sua carência e o endividamento afetam o padrão e a qualidade de vida.
O desafio da boa governança atravessa as várias esferas da vida humana. Pela ótica democrática, está em questão a autogestão do desenvolvimento por cada pessoa, cada família e comunidade, ecossistema, bioma, município, estado, país e a própria gestão partilhada do Planeta.
Na perspectiva do FIB, indicadores para todos esses níveis de governança precisam ser definidos a fim de identificar o grau de Felicidade ou a carência dela relativos à eficiência e eficácia da governança, desde a esfera institucional e das políticas públicas em cada um dos níveis, até a esfera da vida familiar e pessoal.

3. Educação
A abrangência, a qualidade e o alcance da educação são elementos a pesquisar para estabelecer o FIB.
Uma educação abrangente é aquela que envolve a totalidade dos aspectos e dimensões da existência humana, individual e coletiva. Uma educação omnilateral abrange desde os aspectos relacionados à pessoa até os que a situam nos contextos sociais e históricos mais abrangentes; ou pelo menos todos os campos que lhe permitam o desenvolvimento mais completo possível das suas forças produtivas, criativas e comunicativas enquanto ser humano e trabalhador3, das suas necessidades e da capacidade de satisfazê-las; e omnidimensional, que abrange todos os modos e faculdades de conhecimento que o trabalhador possui, todas as dimensões e todos os potenciais do seu ser, desde o corpo e seus sentidos até a mente, a psique, o espírito com seus múltiplos atributos.
A qualidade implica que a educação, além de capacitar as e os educandos para o trabalho produtivo e criativo de bens e de saber, seja capaz de promover e apoiar o auto-empoderamento dos educandos para a autonomia, a cooperação e a solidariedade. Pois, lembrando Paulo Freire - ninguém educa ninguém, e ninguém se educa sozinho – acrescento que ninguém empodera e desenvolve ninguém, e ninguém se empodera e se desenvolve sozinho.
O alcance tem a ver com o envolvimento de toda a população - crianças, jovens, adultos e idosos - em processos educativos permanentes, que lhes permitam estar continuamente se empoderando para gerir com mais eficácia o seu próprio desenvolvimento, enquanto seres individuais, comunitários, sociais, planetários e cósmicos, consciências que herdaram a responsabilidade de gerir sua própria evolução e o desenvolvimento pleno dos seus potenciais. É difícil encontrar um país no mundo de hoje que tenha um sistema educativo tão integral, mas este é o objetivo implícito no FIB. E ele exige um corpo docente educado para a educação que liberta e não subordina; bem remunerado; disposto a reciclar seus conhecimentos continuamente através da pesquisa, do trabalho e do diálogo criativo para dentro e para fora da academia.
Outros aspectos a incluir neste campo incluem:
* a liberdade de escolha de campos de estudo e trabalho;
* o tempo disponível para a atividade educativa (estudo, pesquisa, leitura, diálogos e debates, sistematização da prática) na vida da pessoa, como docente e como discente;
* os campos que estão ausentes ou são insuficientemente contemplados, como as artes, a comunicação, o aprendizado da autogestão da própria saúde e alimentação, as condições para a Felicidade na relação afetiva e conjugal, as condições que propiciam ou bloqueiam o amor.

4. Saúde
Este é um campo de enorme importância para o FIB. Visto pela ótica do capital, ele saiu da esfera dos serviços públicos e foi privatizado e mercantilizado. E pelo pior viés: o que tem preço e é fonte de lucro privado não é a saúde, mas sim a doença, os tratamentos e os medicamentos! Os indicadores habituais são número de médicos e enfermeiros, número de atendimentos, consultas, exames, número de leitos de hospitais, quantidade de medicamentos vendidos, etc. De direito humano a ser contemplado pelo serviço público de saúde, o capitalismo neoliberal converteu a doença em mercado, e o direito à saúde em mercadoria que tem que ser comprada individualmente, através de planos de saúde privados, que só são acessíveis às classes mais abastadas.
Outra dimensão importante deste campo do FIB é a autogestão da saúde individual e comunitária. Tem a ver com o tema da governança, que tratamos acima. Quem deve ter poder sobre minha saúde física, vital, mental, espiritual? Eu próprio, e cada sujeito, da sua! Mas a cultura do capital nos afasta do poder de conhecermos e gerirmos nossa própria saúde, omitindo ou excluindo este campo do saber dos programas e currículos da educação formal. A cultura do capital tenta nos convencer de que saúde é responsabilidade de peritos e não de cada pessoa: divulga por todos os meios a cultura da dependência de especialistas, hospitais e empresas farmacêuticas. Por isso, praticamente não existe lugar para a medicina preventiva nem para as atividades produtivas da saúde, como a cultura de plantas medicinais, a preparação de medicamentos naturais, a aprendizagem da alimentação adequada, o equilíbrio entre exercícios físicos e atividades sedentárias, o uso de produtos da terra como plantas, frutas, verduras, de emprego doméstico, argila, metais como ouro, cobre, etc. para o tratamento e a cura de enfermidades comuns sem recorrer a médicos nem a remédios industriais.
O FIB permite identificar quais as carências das cidadãs/cidadãos em relação ao acesso aos serviços de saúde, à sua qualidade, ao seu caráter social ou privado, assim como ao conhecimento sobre como gerir e preservar a própria saúde, curar as doenças, equilibrar os fluxos energéticos dos nossos corpos. Usado para guiar o planejamento da política pública de saúde, o FIB permite orientar os investimentos para suprir as carências que impedem a saúde de ser fator de Felicidade para a cidadania.

5. Resiliência Ecológica
É a capacidade de um ecossistema de recuperar seu estado inicial depois que ações humanas o alteraram. Os elementos que formam os ecossistemas e os biomas que dão origem e sustentam a vida são a Terra, a Floresta, o Ar, a Água e a Biodiversidade.
O problema dos riscos de catástrofes ambientais de grande escala, e os processos destrutivos de ecossistemas e biomas que a humanidade vive hoje, estão estreitamente ligados à lógica do capital, que define desenvolvimento como crescimento econômico, ou obtenção e acumulação do máximo lucro guiando a pesquisa científica e o avanço tecnológico. Também tem a ver com a formação de preços tomando em conta apenas os custos financeiros – matéria-prima, insumos, energia, máquinas e equipamentos, força de trabalho, crédito – sem considerar os custos sociais e ambientais do investimento. Estes ficam descartados como “externalidades”, a serem bancadas pela população, pelos consumidores ou pelo Estado. Entre eles está a destruição de mananciais de água doce, o desmatamento, a erosão e poluição dos solos, das águas e do ar, as emissões de gases de efeito-estufa e o aquecimento global, a produção desenfreada de lixos tóxicos e sua exportação para países e comunidades mais débeis e vulneráveis.
O FIB propõe uma abordagem diferente, baseada na noção de que o que fazemos contra a Natureza, fazemos contra nós mesmos. O Butão já tomou medidas estruturais para defender a capacidade de resiliência ecológica dos seus ecossistemas: dados publicados em 2007 informam que 26% do país são áreas protegidas e as florestas ocupam 72% do território. É preciso, porém, que se encontre o justo equilíbrio entre este campo de indicadores e o do padrão de vida, sobretudo no aspecto da soberania e segurança alimentar. Isto mostra que a abordagem do FIB não pode levar-nos a olhar os campos isoladamente, mas também a interação entre eles, sempre na perspectiva da criação das condições mais propícias para a realização da Felicidade individual e coletiva.


6. Diversidade Cultural
A maioria dos países do mundo contemporâneo possuem grande ou imensa diversidade cultural. O Brasil é um caso entre outros. Aqui a diversidade cultural existe em cima de uma dolorosa construção histórica colonial – conquista, genocídio, escravismo, barbárie de todo tipo contra as populações autóctones, imigrantes de diversos países, e a raça negra trazida da África para servir aos fins econômicos e comerciais dos europeus e das elites abastadas que o capitalismo mercantil e industrial constituiram.
A cultura do capital, motivada pela busca incessante do máximo lucro por qualquer meio, busca sempre maiores ganhos através de economias de escala. E estas conduzem à homogeinização dos produtos, dos gostos, das mentalidades e das aspirações humanas. No espaço dos negócios, essa cultura promove uma incessante competição entre os atores econômicos em busca do controle monopólico dos seus respectivos mercados e da mente dos consumidores. Resulta daí uma economia e uma sociedade voltadas para a confrontação, a guerra, a subordinação ou a eliminação do Outro, do diferente.
A Socioeconomia Solidária toma como fundamento filosófico o conceito do Ser Humano como indivíduo social, cordialis, amans em vez de oeconomicus, aggressans, e portanto, como uma espécie diversa de outras no contexto do reino animal, e composta por uma diversidade de raças, etnias, culturas, tradições. Daí seu apreço pelo princípio-guia da vida coletiva: o princípio da complementaridade do diverso. A diversidade cultural, vivida na perspectiva da cooperação e da solidariedade, é fonte de riquezas materiais e de maiores saberes e afetos do que cada cultura isolada. Isto exige a interiorização do fato de que somos solidamente interconectados, pelo fato de sermos irmãos e irmãs do gênero humano, de termos origens comuns e destinos cada vez mais convergentes. Com a globalização, fica mais verdadeiro do que nunca a consigna: o que fazemos aos outros e à Mãe Natureza, fazemos a nós mesmos.

7. Vitalidade Comunitária
Tendo em vista que o Ser Humano é um ser social, relacional, que existe, se identifica e se realiza na comunicação, seja interpessoal, seja com coletivos humanos, a vitalidade comunitária é uma dimensão indispensável da busca de Felicidade. Mas também no plano da atividade econômica, a nossa dimensão social é importante: somos seres interdependentes para sobreviver fisicamente e para obter a máxima qualidade de bem-viver.
A vida social e comunitária – trabalho, convivência, sociabilidade, intercâmbio de saberes, diversão, desenvolvimento mental, psíquico e espiritual - exige condições que transcendem a existência meramente física da pessoa. No entanto, a condição de pobreza e exclusão social de grande parte da população do Brasil e do mundo impedem uma vida comunitária saudável. A incidência da pobreza, da marginalidade, da falta de acesso à educação, à saúde, aos recursos básicos para a sobrevivência física se traduzem em violência. E em escala crescente, dado que a violência é uma expressão eloquente da carência de vitalidade comunitária, e do carinho, afeto e amor sem os quais o Ser Humano se desfigura, adoece, morre... ou passa a matar.
Só uma economia fundada nas instâncias da família e da comunidade, e informada pelos valores da cooperação, do altruísmo recíproco, da solidariedade consciente e do amor é que dará fundamento a famílias e comunidades equilibradas e felizes. O FIB, ao investigar os diversos aspectos da vida familiar e comunitária das pessoas, inclusive idosos e crianças, facilita a formulação de políticas que ajudem a criar ambientes propícios para a vitalidade comunitária, e ofereçam as condições materiais e sociais para a convivialidade.

8. Uso equilibrado do tempo
Este é um dos fatores mais importantes da Felicidade, embora mal suspeitemos disso. Para a cultura do capital, tempo é dinheiro... Para nós, é trabalho, saber, criatividade, se soubermos bem usá-lo. Tempo é também, e principalmente, desenvolvimento, no seu sentido mais profundo de desenvolvimento mental, psíquico, espiritual! Não é por acaso que o humanista Karl Marx diz: “uma nação é verdadeiramente rica quando o dia de trabalho é de seis em vez de 12 horas. A riqueza não é o domínio sobre o tempo de trabalho excedente, mas im o tempo disponível fora do que é necessário na produção direta, para cada indíviduo e para toda a sociedade” (Marx, 1857-58: 706 – grifos meus). Nesta ótica, tempo é riqueza! Tempo liberado das tarefas ligadas à produção direta e à sobrevivência física é tempo disponível para o trabalho sutil de desenvolvermos nossas dimensões especificamente humanas, não somente animais! Lembremos que fazemos parte do reino da Noosfera, que já transcendeu a Biosfera, embora proceda dela e se apoie nela para subsistir em todos os planos.
O FIB busca identificar se estamos usando nosso tempo de modo equilibrado. Aqui, há que reconhecer que o tempo disponível, como toda outra riqueza, é função do modo de distribuição de todas as riquezas de uma sociedade. Quando estas são concentradas em classes abastadas, privilegiadas, o tempo disponível também está concentrado nelas. É o caso do Brasil. Para democratizar o tempo disponível, precisamos reestruturar a economia, criando mecanismos de democratização da renda, dos bens e recursos produtivos, do dinheiro como poder de compra, e dos ganhos gerados pelo aumento da produtividade. Tudo isso pode ser medido com indicadores.
É importante termos consciência de que a pergunta “como estou usando meu tempo?” é cabível tanto para as pessoas, como para seus ambientes de vida e trabalho – família, empresa, consultório, associação, entidade, repartição de governo. Ela é precedida por outra pergunta: “que atividades e ocupações me fazem feliz?”
É útil nos colocarmos essas duas questões para o nosso cotidiano, mas também para outras escalas de tempo – a semana, o mês, o ano... As perguntas incluídas no questionário canadense me parecem insuficientes, pois deixam de fora alguns temas importantes para países como o Brasil e megacidades como as que temos aqui: tempo gasto no transporte, uso deste tempo, tempo dedicado às artes, tempo dedicado à comunicação presencial, tempo dedicado à cooperação, tempo dedicado ao estudo e à educação permanente...

9. Bem estar psicológico e espiritual.
A educação para o desenvolvimento integral do Ser Humano deve ser omnilateral e omnidimensional justamente porque o seu objetivo maior é o bem viver psíquico e espiritual omnilateral e omnidimensional.
O bem estar psíquico e espiritual consiste em vivenciar encontros reciprocamente gratificantes entre pessoas, ter o sentido de comunhão com os outros e com o meio natural, o sentido de pertencimento, o acesso à tradição e à integridade cultural.
Alguns indicadores que favorecem a medida do bem estar incluem Felicidade/infelicidade subjetiva, satisfação/insatisfação com a vida, alegria de viver, liberdade/coerção, equidade/desigualdade, irmandade/separatividade, cooperação/competição, reciprocidade/unilateralidade, satisfação/insatisfação com dimensões como saúde, finanças, ocupações cotidianas, relações com familiares e amigos, espiritualidade (relação pessoal com o Divino), vida social e vida religiosa, frequência de sentimentos como empatia, alegria, bondade, perdão, raiva, inveja, culpa, medo, ressentimento, egoismo, orgulho, dor, frustração, problemas físicos ou mentais, e outros.
Esta diversidade de fatores do bem estar incluem também o transporte. Catherine O’Brien (2007:97) observa que o sistema de transporte “diz respeito não apenas a ‘mover pessoas e bens’, mas também gerar encantamento, descoberta, alegria e felicidade. Ela mostra como o modo, as distâncias e o efeito do transporte do diário para o trabalho por longas distâncias afetam o tempo disponível, o grau de bem viver e felicidade.
O ambiente e as condições propícias para o bem estar psíquico e espiritual inclui a satisfação das necessidades básicas (padrão de vida digno) e um meio natural e social saudáveis, cooperativos e não tóxicos, agressivos ou violentos.
Observemos enfim que, em última instância, todos os campos anteriores condicionam a realização da Felicidade neste campo.
BIBLIOGRAFIA

Arruda, Marcos, 2006, “Humanizar o Infra-Humano:

Arruda, Marcos, 2007, “Tornar Real o Possível:

Arruda, Marcos (org.), 2009, “Intercambiando Visiones de una Economía Responsable, Plural y Solidaria”, ALOE/PACS, Rio de Janeiro.

Bhutan 2020, « A Vision for Peace, Prosperity and Happiness”, Planning Commission, Royal Government of Bhutan.
http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/APCITY/UNPAN005249.pdf

Marx, Karl, 1857-58, “Grundrisse: Introduction to the Critique of Political Economy”. New York: Vintage Books [1973 – traduzido por Martin Nicolaus].

O’Brien, Catherine, 2007, “Planning for Sustainable Happines: Harmonizing our internal and external landscapes”, in “Rethinking Development…”, p. 97ss.

The Centre for Bhutan Studies, 2007, “Rethinking Development: Proceedings of Second International Conference on Gross National Happiness”, Phama Printing & Publishers, Thimphu, Bhutan.