segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A Venezuela está avançando rumo a Prout ?

A Venezuela Está Avançando Rumo a Prout ?

por Andy Malinalco

Atualmente há inúmeros movimentos e conflitos em que se está lutando pela criação de uma sociedade mais justa, sustentável e humana, que garanta segurança e liberdade individual. Dentre todos esses, muitas pessoas progressistas ao redor do mundo vêem a Revolução Bolivariana na Venezuela como aquele com a maior possibilidade de transformação da realidade social.

Prout (a Teoria da Utilização Progressiva) é uma teoria sócio-econômica com um propósito holístico, que busca substituir o capitalismo. Ela foi concebida em 1959 pelo filósofo indiano e líder espiritual Prabhat Ranjan Sarkar (1921-1990). Prout não é uma doutrina econômica rígida, como as medidas neoliberais, e sim um conjunto de princípios que podem ser aplicados de acordo com as exigências de qualquer situação específica. É um modelo que, ao invés do crescimento econômico como um fim em si mesmo, mas sim através da democracia econômica, da descentralizaçã o, democracia participativa, autonomia regional e auto-suficiência, assume o bem-estar de todos os seres vivos como o princípio orientador da vida social e econômica.

Enquanto a Revolução Bolivariana avança principalmente através de tentativas e erros, Prout é uma visão coerente, teoricamente trabalhada, que até agora só foi colocada em prática por poucas comunidades locais em vários países. Neste artigo, eu irei comparar como os objetivos principais do Processo Bolivariano apontam em direção à visão de Prout.

O caminho passa por conflitos

A Revolução Bolivariana que foi iniciada com a vitória eleitoral de Hugo Chávez em 1998 não está trabalhando com uma doutrina rígida e, assim como a maioria dos movimentos atuais que se posicionam contra a ordem mundial neoliberal (p.ex. os Zapatistas, a Ação Global do Povo, Retome as Ruas, etc.), não está realmente definida. A sua forma é delineada pelos constantes choques com a sua oposição nacional e internacional, e são estes próprios conflitos, e não alguma doutrina revolucionária, que a tornam mais e mais radical.

Por exemplo, durantes os primeiros anos, Chávez -- à parte de seu determinado anti-imperialismo -- falou sobre uma certa “terceira via” e de “capitalismo com um rosto humano”. Agora ele mudou isto para uma retórica anti-capitalista, e desde o início de 2005 ele está propagando o “Socialismo do Século 21” como a direção para a Venezuela -- ainda que ele não tenha definido claramente o que ele quer dizer com isso.

De acordo com Michael Lebowitz [1], o projeto original do governo de Chávez era um estado forte que rejeitasse o neoliberalismo e controlasse as indústrias-chave; através do apoio à formação de cooperativas, o setor informal tornaria-se uma parte da economia legal, enquanto que a coluna vertebral e força motriz da economia permaneceria sendo o capital privado e grandes corporações capitalistas. Este conceito mudou devido ao impacto do golpe [de estado de 2002], a greve ilegal do setor petrolífero e a auto-organização do povo em resistência a essas duas tentativas de derrubar o governo. O foco mudou para uma direção anti-capitalista, para uma alternativa de economia solidária.

Cada tentativa da oposição para livrar-se de Chávez teve o efeito contrário, fortalecendo o seu controle e abrindo novas portas para a revolução. A tentativa de golpe em 2002 não somente levou a uma limpeza do comando militar, como também tornou claro ao defensores pobres de Chávez que, se eles quisessem continuar a sua revolução, então a atividade, participação e atos organizados deles seriam realmente muito necessários. A greve geral realizada pelos proprietários de companhias alinhados com a oposição, em fins de 2002 e começo de 2003, tornaram possíveis os exemplos na prática de gerenciamento pelos trabalhadores, e também um maior controle governamental sobre a companhia petrolífera nacional PDVSA.[2] Desde então, os lucros da PDVSA [Petróleos de Venezuela S.A.] estão financiando as “missões” populares do governo, que foram iniciadas em 2003. A crise de alimentos experimentada durante os dias da greve criou a percepção de que a proteção da segurança alimentar da nação era vital. Devido à crise de alimentos, os militares abriram lojas nas principais estradas de Caracas, vendendo alimentos básicos abaixo do preço de mercado. Isto tornou-se tão popular que, depois que a crise terminou, uma cadeia de tais lojas foi estendida ao país inteiro, dentro da estrutura da Missão Mercal.

Princípios de Prout na Revolução Bolivariana

Enquanto, por um lado, a Revolução Bolivariana não tem uma visão coerente e detalhada sobre a sociedade futura, por outro lado, os seus objetivos, que fizeram-na virar suas costas para o capitalismo, correspondem a alguns dos objetivos de Prout: minimizar a desigualdade, alcançar a auto-suficiência nacional, e criar a democracia econômica, em que cada pessoa é capaz de satisfazer suas necessidades básicas.

A Revolução Bolivariana começou a aplicar princípios de Prout, em maior parte de forma inconsciente, nas quatro áreas seguintes: garantir as necessidades básicas das pessoas, independência econômica e auto-suficiência (desenvolvimento endógeno), construir um modelo econômico alternativo baseado em cooperativas, e criar uma democracia participativa.

1. Fornecendo as necessidades básicas

De acordo com Prout, deve-se garantir que cada pessoa seja capaz de suprir suas necessidades básicas. As cinco necessidades básicas são: comida e água potável, vestuário, moradia, educação e assistência à saúde. Estes itens são requeridos para ter-se uma qualidade de vida [mínima], a qual é necessária para começar-se o desenvolvimento da personalidade e adquirir-se a capacidade de tomar decisões com relação ao próprio futuro econômico e à democracia participativa. Como Dada Maheshvarananda escreveu: “Fornecer as necessidades básicas deveria ser a função primária e o dever de qualquer economia. Os seres humanos requerem-nas para poderem realizar as suas potencialidades individuais, para desenvolverem- se culturalmente, e para alcançarem satisfação interna e auto-realização, o que muitas pessoas agora consideram como os objetivos mais elevados da vida.... Como será maravilhoso o mundo, quando ninguém neste planeta terá de preocupar-se com conseguir dinheiro suficiente para comprar comida, roupas, moradia, educação e assistência médica, necessários para a sua família!” [3; pp.75-76]

Destas cinco necessidades, as seguintes aparecem na Constituição Bolivariana de 1999 como direitos básicos: moradia apropriada (Artigo 82: “Cada pessoa tem o direito de adquirir moradia adequada, segura, confortável e higiênica, com serviços básicos essenciais apropriados, incluindo um habitat para humanizar a família, a vizinhança e as relações comunitárias. A satisfação progressiva de tal requisito é de responsabilidade compartilhada dos cidadãos e do Estado em todas as áreas.”), educação gratuita (Artigo 102: “A educação é um direito humano e um dever social fundamental; ela é democrática, gratuita e obrigatória..” e assistência primária à saúde (Artigo 83: “A saúde é um direito social fundamental e responsabilidade do Estado, que deverá garantí-la como parte do direito à vida. O Estado deverá promover e desenvolver políticas orientadas para melhorar a qualidade de vida, o bem-estar comum e o acesso a serviços.” Artigo 84: “Para garantir o direito à saúde, o Estado cria, exercita a orientação e administra um sistema nacional de saúde pública que atravessa as fronteiras dos setores, e que é de natureza descentralizada e participativa, integrado com o sistema de previdência social, e governado pelos princípios de gratuidade, universalidade, completude, justiça, integração social e solidariedade.” ) O Estado começou as missões com o objetivo de garantir esses direitos constitucionais básicos e criar uma previdência social essencial.

Dentro da estrutura da Missão Habitat, o governo contrói novas construções residenciais -- primariamente para famílias com crianças e sem moradia, e para comunidades que organizaram- se na forma de equipes de construção. A moradia é um problema sério na Venezuela: uma grande parte da população vive em barracos montados às pressas ou em moradias mal-construídas sem reboco.

A Missão Barrio Adentro [Bairro Adentro] -- que talvez seja o projeto mais famoso em termos internacionais -- foi iniciada na primavera de 2003, e leva assistência básica à saúde para as zonas pobres, ou seja, para aquela enorme parte da sociedade que foi previamente excluída da assistência à saúde. Tanto consultas quanto remédios são fornecidos gratuitamente. Os doutores e equipes vivem nas favelas para realmente servirem a comunidade. Com a missão, que custa até 5 bilhões de dólares por ano, atualmente 14.000 doutores e 3.000 dentistas de Cuba, e um número crescente de doutores venezuelanos fornecem assistência à saúde para cerca de 17 milhões de venezuelanos.

As missões educacionais foram iniciadas contra a exclusão e para promover a democracia participativa -- o analfabetismo e a falta de possibilidade de aprendizado eram os principais fatores que mantinham as enormes diferenças sociais. O Objetivo da Missão Robinson era de eliminar o analfabetismo. Quando ela começou, em julho de 2003, um milhão e meio de pessoas, o que significa 6% da população, eram analfabetas. Em 28 de outubro de 2005, a Venezuela foi declarada um país livre do analfabetismo. Depois da Missão Robinson, o governo lançou a Missão Robinson II, para aquelas pessoas que não haviam acabado a escola primária -- o programa inclui mais que um milhão e meio de adultos. Até setembro de 2006, 418.253 adultos que previamente haviam abandonado a escola, acabaram os seus estudos secundários dentro da Missão Ribas. O Estado paga aproximadamente 100 dólares mensais para cada participante dos programas educacionais, para que eles possam participar das aulas.

A Missão Mercal, o projeto de nutrição do governo, vende alimentos básicos em áreas pobres a um preço 28 a 40% menor do que os preços de mercado. Na sua primeira onda, em 2004, foram estabelecidas 4.502 tais lojas [“Mercais”], e este número aumentou para 15.721 até setembro de 2006. Os Mercais vendem aproximadamente metade do total de alimentos vendidos no país. Além disso, apareceram cantinas gratuitas nas favelas, denominadas “Comedores Bolivarianos” [Restaurantes Bolivarianos] , que proporcionam refeições quentes para 600.000 pessoas todos os dias.

2. Desenvolvimento Endógeno

Prout propõe que a atual economia centralizada seja descentralizada em regiões economicamente auto-suficientes. As regiões seriam definidas por condições geográficas, e pelo legado cultural, linguagem, interesses e problemas econômicos de seus habitantes. Essas regiões decidiriam o seu futuro econômico de baixo para cima, com o planejamento emergindo a partir das comunidades.

Essas regiões seriam divididas em blocos, que constituiriam o nível básico de planejamento econômico. Como Sarkar escreveu: “Há muitos benefícios do planejamento em nível de bloco. A área de planejamento é pequena o bastante para que os planejadores compreendam todos os problemas da área; a liderança local será capaz de resolver os problemas de acordo com prioridades locais; o planejamento será mais prático e efetivo e dará resultados rápidos e positivos.” [4]

Com o termo “desenvolvimento endógeno”, Chávez caracteriza o seu esforço de rejeitar as regras econômicas neoliberais e os modelos econômicos dos países desenvolvidos. Ao invés disso, ele está tentando desenvolver um modelo econômico que se ajuste à Venezuela, que seja para a Venezuela, e que satisfaça as necessidades da Venezuela. Este modelo não está bem definido, como tantas outras coisas na Revolução Bolivariana -- ao invés disso, a própria revolução está sendo formada ao longo do processo. O objetivo é criar a soberania econômica da nação. De acordo com Chávez, enquanto que no tempo de Bolívar a luta era por independência política, esta geração deveria alcançar a independência econômica. [5; p.16]

Em termos concretos, isto significa romper a dependência ao petróleo, diversificar as fontes de renda da economia nacional, e rejuvenescer a agricultura, que definhou após a descoberta do petróleo, e alcançar a soberania alimentar. (A Venezuela importa a maior parte dos alimentos que consome, ainda que tenha tido sucesso em reduzir essa taxa de 72% em 1998 para 64% em 2006. Eles definem cinco frentes de desenvolvimento endógeno: agricultura, indústria, infraestrutura, turismo e serviços.

O fortalecimento da agricultura é um fator crucial para atingir-se a independência econômica. O objetivo de soberania alimentar está na constituição (Artigo 305: “Um suprimento seguro de alimentos deve ser atingido desenvolvendo- se e priorizando- se a produção interna da agricultura e da pecuária.”), como também o apoio para o desenvolvimento rural pelo Estado (Artigo 306: “O Estado deverá promover condições para o desenvolvimento rural geral, para o propósito de gerar emprego e assegurar à população rural um nível adequado de bem-estar, como também a sua inclusão no desenvolvimento nacional.”)

3. Cooperativas

“Prout propõe uma economia dinâmica do povo, pelo povo e para o povo. Rejeitando a obtenção de lucros como o objetivo da economia, Prout baseia a sua política econômica no consumo; ou seja, em satisfazer as necessidades efetivas das pessoas.” [3; p.93] Prout propõe um sistema econômico estruturado em três níveis, para realizar isto. Para preservar o espírito aberto e inovativo do capitalismo, mas para evitar o impacto destrutivo e explorador do capital, que negligencia o ambiente social e natural, Prout mantêm os empreendimentos privados em pequena escala, e estabelece um teto para o crescimento máximo dos negócios privados.

A maior parte da economia é formada pelas cooperativas. Isto garante a democracia econômica, a diminuição da alienação, uma distribuição mais justa de riqueza, e torna possível a mudança da lógica de lucro para satisfazer as necessidades reais e alcançar o bem-estar de todas as pessoas.

Aquelas indústrias que têm importância estratégica e que são grande demais ou complexas demais para serem administradas eficientemente por uma cooperativa, como por exemplo indústrias de energia, de mineração, petroquímicas etc., continuam sendo propriedade estatal.

A Revolução Bolivariana comprometeu- se, desde o seu início, em manter as indústrias-chave como propriedade estatal -- rejeitando a doutrina liberal que demandava privatização -- e acrescentou isto no Artigo 302 da nova constituição (“O Estado mantêm para si, através da lei orgânica pertinente, e por razões de utilidade nacional, a indústria petrolífera e outras indústrias, operações, bens e serviços que são de interesse público e de natureza estratégica.”)

Prout propõe que essas indústrias sejam administradas pelo princípio de “sem-lucro-sem- prejuízo”. “Como esses empreendimentos não são de propriedade privada, o ganho excedente não será distribuído como dividendos para acionistas ou investidores privados.” [3; p.97] Utilizando os lucros de empreendimentos estatais em missões sociais, o governo implementa este princípio de Prout dando-os para os mais pobres da sociedade.

Quando Chávez assumiu o poder em 1998, haviam apenas 762 cooperativas no país. Um dos objetivos mais importantes da Revolução Bolivariana tem sido de tornar este setor minimamente existente em uma parte importante da economia.

A Constituição Bolivariana afirma que o Estado deveria promover e proteger as cooperativas como uma alternativa econômica popular. (Artigo 118: “O direito dos trabalhadores e da comunidade, de desenvolverem associações de natureza social e participativa, tais como cooperativas, fundos de poupança, fundos de mutualidade e outras formas de associação, é reconhecido. ... O Estado deverá promover e proteger essas associações destinadas a incrementar a alternativa econômica popular”.) Isto também garante treinamento, assistência técnica e financiamento apropriado. (Artigo 308: “O Estado deverá promover e proteger fabricantes de pequeno e médio portes, cooperativas, fundos de poupança, negócios familiares, pequenos negócios e quaisquer outras formas de associação comunitária para propósito de trabalho, poupança e consumo, sob arranjo de propriedade coletiva, para fortalecer o desenvolvimento econômico do país, baseado na iniciativa das pessoas. Treinamento, assistência técnica e financiamento apropriado deverão ser garantidos.”)

Contudo, nenhuma mudanças significativa aconteceu até 2001 -- o número de cooperativas era de cerca de 1.000. Mas, com o impacto da aprovação da Lei Especial de Associações Cooperativas naquele ano, e dos empréstimos bancários do Ministério de Economia Popular (MINEP), desde 2003, este número aumentou drasticamente. Mais de 150.000 cooperativas foram registradas na Venezuela em 2006, o maior número do mundo.

Para encorajar e fortalecer as cooperativas, e para criar uma base para o desenvolvimento endógeno, em janeiro de 2004 o governo lançou a Missão Vuelvan Caras, um programa de treinamento com um ano de duração. Os participantes, que usualmente vêm de outras missões educacionais, recebem treinamento prático para emprego, e após o encerramento, a maioria forma cooperativas.

4. Democracia Participativa

Uma das realizações mais importantes do regime de Chávez tem sido a inclusão das pessoas no processo político de tomada de decisões. Isto começou com a redação da nova constituição, baseada em um amplo consenso, em 1999. Um referendo nacional foi realizado, sobre se deveria haver uma nova constituição, e então houve uma eleição para a assembléia constitucional. A redação da constituição incluiu consultas de grande abrangência, e então o texto final foi submetido a outro referendo nacional, para sua aceitação.

Desde então, Chávez tem constantemente chamado o povo a assumir o poder -- o que soa um tanto engraçado, porque a Revolução Bolivariana está baseada em um líder carismático. Mas atendendo a esse chamado, iniciou-se uma colaboração mais próxima entre governos locais e as pessoas. Cidadãos formam comitês, expressam sua opinião sobre o orçamento, sobre quais tarefas devem ser realizadas, etc. Outra parte do processo é a formulação de novos conselhos comunitários (baseados em 200 a 400 famílias na cidades, e em 20 a 50 famílias em áreas rurais), que dão palpites sobre os assuntos locais -- e eles florescem tanto nas favelas de Caracas quanto no distrito de classe alta de Altamira.

Este modelo requer muita atividade de militância dos cidadãos; ainda que a participação atual seja surpreendentemente forte, pessoas céticas avisam que o mesmo ardor podia ser visto nos primeiros dias das revoluções iraniana, cubana ou espanhola, desaparecendo mais tarde.

Em contraste, Prout foca mais em tornar a democracia representativa mais transparente, e a participação das pessoas nas tomadas de decisão, antecipando os vais-e-vens do entusiasmo, deveria acontecer primariamente de acordo com os seus interesses econômicos, através de cooperativas e da determinação do futuro econômico de suas comunidades.

As sementes desta transformação também apareceram na Venezuela. Trabalhadores encorajados por Chávez ocuparam aproximadamente 1.200 fábricas e outros negócios, depois que os seus proprietários decidiram fechá-los. Nos dias da greve geral de 2002, os trabalhadores que foram deixados de fora pelos seus patrões, em muitos lugares ocuparam seus próprios locais de trabalho e foram capazes de administrá-los sem a gerência. Em certos empreendimentos estatais, também surgiram administrações feitas em conjunto com os trabalhadores, tal como na companhia de alumínio Alcasa, na qual os trabalhadores são capazes de eleger livremente seus próprios gerentes e podem participar nas tomadas de decisão. Contudo, estes casos ainda são exceções, mesmo no setor estatal, e são mais como experimentos que geram grandes expectativas, do que uma parte de um realinhamento amplo.

Perspectivas

O que está acontencendo na Venezuela, a despeito do termo “revolução” usado pelos chavistas, é um lento rearranjo de recursos e a abertura de novos espaços para participação econômica e política.

No começo da Revolução Bolivariana, 42,8% das famílias viviam abaixo da linha de pobreza. Na segunda metade de 2005, essa taxa diminuiu para 37,9%. Estes números foram calculados pelos Instituto Nacional de Estatísticas da Venezuela com base nas rendas em dinheiro, e portanto não mostram o efeito das missões, que aumentaram a qualidade de vida em geral dos pobres. Mas mesmo com todos esses feitos, a sociedade venezuelana ainda está marcada pela presença de pobreza muito difundida e desigualdade chocante.

A despeito da explosão de cooperativas, apenas 6% da força de trabalho venezuelana trabalha em cooperativas. E mais, algumas das novas cooperativas não estão ativadas, e algumas foram estabelecidas somente para ganhar o empréstimo bancário do governo. Isto, junto com a carência de experiência cooperativa no país, indica que as cooperativas ainda estão muito longe de tomarem o lugar central na economia venezuelana. Ao invés de observarmos a criação de um Socialismo do Século 21, ou a democracia econômica de Prout, o que estamos vendo até aqui é muito mais um laboratório experimental de um sistema econômico alternativo.

Além disso, as estruturas capitalistas da Venezuela ainda não foram tocadas. Chávez, contrariamente ao seu amigo cubano Fidel Castro, não retirou nada dos burgueses, e a Venezuela ainda é um país capitalista -- ainda que não neoliberal. Caminhando-se nas ruas de Caracas, vê-se a presença contínua das mesmas corporações multinacionais, os mesmos restaurantes de fast food dos EUA, os mesmos shopping centers do que em qualquer outro lugar. A economia do país ainda é conduzida pelo capital privado.

Enquanto Prout pensa em termos de regiões auto-suficientes, a Venezuela esforça-se para reduzir a sua dependência econômica e tornar-se auto-suficiente.

No conjunto, a Venezuela começou a transformação partindo de uma situação muito ruim, do ponto-de-vista de Prout: desigualdade enorme, dependência em relação aos preços do petróleo e de importações de alimentos, a concentração de 88% da população em cidades, falta de educação etc. Partindo deste estado, a Venezuela lentamente avança rumo a um objetivo indefinido, mas os passos que já foram tomadas estão surpreendentemente em harmonia com a visão de um pensador indiano, feita meio século atrás, uma visão chamada Prout.

Sobre o autor: Andy Malinalco é um ativista no Instituto Venezuelano de Investigação de Prout [IVIP].

Internet: www.priven.org [PRIVEN - Prout Research Institute of Venezuela ]

E-mail: ivip@prout.org

NOTAS:

[1] Michael A. Lebowitz. Venezuela: Going Beyond Survival, Making the Social Economy a Real Alternative.www.venezuelanalysi s.com. 19 de agosto de 2006.

[2] Ainda que a companhia tenha sido nacionalizada em 1976, na realidade ela se manteve como um estado dentro do estado. Depois que o golpe falhou, os diretores e administradores anunciaram uma greve até que Chávez renunciasse, deixando os trabalhadores de fora e efetivamente interrompendo a produção, para criar pânico e caos, já que a gasolina tornou-se indisponível por todo o país. Chávez então convidou Ari Rodriguez, então presidente da OPEC [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], para assumir a companhia. Ele falou com os trabalhadores e perguntou se eles conseguiriam fazer a companhia funcionar sem os seus antigos patrões. Quando eles o asseguraram de que podiam, ele despediu os diretores em greve, reduzindo grandemente os salários administrativos altamente inflados, e dentro de três meses a produção voltou ao normal.

[3] Dada Maheshvarananda. Após o Capitalismo - A Visão de PROUT para um Novo Mundo. Belo Horizonte: Proutista Universal, 2003.

[4] Prabhat Ranjan Sarkar. “Block-level Planning”. In: Prout in a Nutshell 12.

[5] Hugo Chávez Frías. El Golpe Fascista Contra Venezuela. La Habana : Ediciones Plaza, 2003.

Veja mais sobre Prout:

Livros:

Dada Maheshvarananda. Após o Capitalismo - A Visão de PROUT para um Novo Mundo. Belo Horizonte: Proutista Universal, 2003.

Prabhat Ranjan Sarkar. Democracia Econômica - Teoria da Utilização Progressiva. São Paulo: Ananda Marga Publicações, 1996.

Ronald Logan. Prout. Eugene : Ananda Seva Publications, 2001.

Internet:

www.priven.org

www.prout.org

www.proutworld. org

www.prout.org/ por/