O vereador Gilberto Natalini (PSDB) leu seu relatório a favor da legalidade do projeto de Kassab sob vaias, protestos e até ameaças de sapatadas dos manifestantes presentes
Vereadores da base governista de Gilberto Kassab (DEM) conseguiram aprovar, na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa, por sete votos a dois, a constitucionalidade do projeto de lei que revisa o Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade, de 2002. O projeto foi enviado por Kassab ao Legislativo.
Dois relatórios sobre a legalidade do projeto foram colocados em pauta. Um deles foi o do vereador João Antônio (PT), cujo parecer indicou a ilegalidade do projeto. Outro, substitutivo ao do petista, foi apresentado por Gilberto Natalini (PSDB), que defendeu a legalidade. Natalini, visivelmente irritado, leu seu relatório sob vaias, protestos e até ameaças de sapatadas dos manifestantes presentes que gritavam 'não, não, não, não à revisão'.
O clima ficou ainda mais tenso quando o vereador Celso Jatene (PTB) fez a afirmação de que os manifestantes, que lotaram o Salão Nobre da Câmara de Vereadores, não passavam da 'claque' de vereadores da oposição. Os presentes se revoltaram. Do plenário ouvia-se: 'Aqui não tem pau mandado de ninguém'. A reunião precisou ser interrompida por alguns minutos pelo presidente da Comissão, Ítalo Cardoso.
O que Jatene ignorava, e depois foi avisado, é que os manifestantes formam a Frente de Defesa do Plano Diretor Estratégico. A representatividade da Frente não é pouca. São 141 entidades que lutam pelo Direito à Cidade e pela implementação do plano.
A revisão do PDE deve ser feita e está prevista por lei, reconhece a Frente. A indignação manifestada pelas entidades está na forma como o Executivo conduziu este processo e em relação às mudanças propostas por ele.
Kassab não se deteve a uma revisão do plano. Ele extrapolou os limites legais e propôs um novo projeto, denunciam as entidades. O próprio PDE vigente 'estabelece os limites legais de sua revisão, restrita apenas à adequação das ações estratégicas do Plano', afirmam as entidades em carta aberta. De acordo com o vereador João Antonio, o prefeito não possui autorização para refazer o projeto.
Uma das supressões mais graves apontadas pelas entidades diz respeito às Políticas Públicas. Ou seja, Kassab, em seu projeto, retirou políticas de Turismo, Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida, Trabalho, Emprego e Renda, Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Esportes, Lazer e Recreação, Segurança Urbana, Abastecimento e Agricultura Urbana. Essa mudança 'tira do Plano Diretor seu caráter social e estratégico, eliminando diretrizes e ações que articulam os diversos setores no planejamento do desenvolvimento econômico e social da cidade', afirmam as entidades.
Outra crítica à proposta de revisão ataca o fato de que não houve qualquer discussão pública consistente. A Frente não reconhece como legítimas as audiências públicas e o processo de consulta pública que a Prefeitura afirma ter realizado. 'A forma e linguagem herméticas e excessivamente técnicas de apresentação do projeto impossibilitaram à maioria das pessoas uma compreensão clara das propostas e de seus efeitos e conseqüências, tanto na cidade como na vida da população', argumenta a carta das entidades.
A revisão do plano sujeita ainda praticamente todo o território urbano à venda de áreas construídas superiores as hoje permitidas, liberando sem controle a verticalização e adensamento ao sabor do interesse imobiliário. 'A cidade precisa de normas rigorosas para impedir que o mercado imobiliário continue ditando as regras do crescimento urbano de São Paulo', disse João Antonio.
Para o urbanista Kasuo Nakano, do Instituto Polis, o que está em disputa são duas visões opostas de cidade. Uma é a cidade concebida como negócio, em que o espaço público é mercantilizado. A outra é a cidade dos Direitos. 'A sociedade está clamando por uma cidade de direitos e isso é efetivado quando temos o direito de participar dos rumos da cidade', afirmou o urbanista em audiência pública realizada na Câmara em meados de março.
Diante da derrota do relatório pela ilegalidade da revisão, João Antonio disse que daqui para frente a luta se dará para modificar o conteúdo do projeto. 'Esta será a essência da nossa oposição', afirmou.
O projeto segue para a Comissão de Política Urbana para depois ser votado em plenário.
Retirada do projeto
As entidades pedem que o prefeito retire da Câmara Municipal o projeto. Para que a revisão seja legítima, as entidades demandam, primeiro, que as mudanças sejam feitas com base em processos participativos democráticos, amplos e legítimos, e, segundo, que incorporem critérios de sustentabilidade social, econômica e ambiental, enfrentando os problemas das desigualdades sociais e territoriais existentes na cidade.
Para o vereador Jatene, a revisão do plano já foi adiada por muito tempo e não deve retornar ao Executivo. 'A Câmara Municipal não pode neste momento fugir a esta responsabilidade', defende. Ele garantiu ainda que serão realizadas todas as audiências públicas necessárias.
Pontos críticos da proposta de Kassab
- a retirada ou modificação de artigos que tratam de controle e participação popular nas decisões sobre o futuro da cidade, em evidente retrocesso da democracia participativa.
- a ampliação de áreas onde mais prédios poderão ser construídos, inclusive em áreas de várzeas.
- a retirada de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) em áreas vazias e subutilizadas em bairros centrais, a diminuição do percentual mínimo de moradia social nas Zeis.
- a retirada da base territorial (macro áreas) que define onde devem ser aplicados os instrumentos de cumprimento da função social da propriedade, para evitar a permanência de áreas vazias e subutilizadas em boas localizações.
- a retirada dos prazos para apresentação de um plano de circulação e transportes e um plano de habitação, mais que nunca necessários e urgentes em nossa cidade.
- a supressão das Políticas Públicas Setoriais: Turismo; Desenvolvimento Humano e Qualidade de Vida; Trabalho, Emprego e Renda; Educação; Saúde; Assistência Social; Cultura; Esportes, Lazer e Recreação; Segurança Urbana; Abastecimento e Agricultura Urbana. Esta supressão tira do Plano Diretor seu caráter social e estratégico, eliminando diretrizes e ações que articulam os diversos setores no planejamento do desenvolvimento econômico e social da cidade.
Fonte: Carta aberta da Frente
Voto
Saiba quais os vereadores da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa votaram a favor do projeto de revisão do Plano Diretor enviado pelo Kassab à Câmara:
Natalini (PSDB)
Agnaldo Timóteo (PR)
Celso Jatene (PTB)
Gabriel Chalita (PSDB)
José Olímpio (PP)
Ushitaro Kamia (DEM)
Abou Amadeu (PTB)
Votos contrários ao projeto do Kassab:
João Antonio (PT)
Ítalo Cardoso (PT)
O que é o Plano Diretor?
É o instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana de um município. Nele devem estar garantidas regras e diretrizes não apenas para o espaço físico, mas também para os aspectos social, econômico e administrativo da cidade. Tudo deve ser construído com a participação da população. A Constituição Federal obrigada todos os municípios com mais de 20 mil habitantes a elaborarem seus planos.
Em São Paulo, desde 2002 está em vigor um Plano Diretor elaborado com significativa participação da sociedade. Mas até agora, quase nada foi colocado em prática. A prefeitura não implementou, por exemplo, toda a rede de corredores de ônibus e a rede de ciclovias e parques lineares previstas no Plano; a prefeitura não aprovou o Plano de Habitação e o Plano de Circulação Viária e Transportes. O atual PDE só pode ser revogado ou refeito em 2012.
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